A era do sigilo bancário chegou ao fim?

A resposta para a pergunta no título é um sonoro não. Contudo, houve alguns progressos.

Em abril de 2009, os líderes do G20 em Londres, se comprometeram a pôr freios nos paraísos fiscais, declarando que a “era do sigilo bancário tinha chegado ao fim”. O G20 determinou que a OCDE, o clube dos países ricos, agisse em relação a essa questão.

Eles estavam falando sério? Considerando que a maioria das jurisdições de sigilo são países ricos membros do G20 ou da OECD, é necessário ter muita cautela. Seria essa de fato uma mudança singificativa ou a reforma era apenas no discurso?

Bom, o copo está meio cheio.

Ao menos para começar, vimos poucas ações concretas. No entanto, com o tempo, o crescente ultraje público em meio à crise financeira mundial e a ascensão de um novo gênero de campanhas de justiça fiscal em muitos países forçaram os líderes a adotar ações de modo sério.

Em junho de 2013, os líderes do G8 em uma declaração em Lough Erne, Escócia, oficialmente apoiaram os princípios da troca automática de informações (consulte nossa página dedicada ao assunto), um conceito há muito tempo promovido pela Tax Justice Network. Ainda que a declaração fosse desprovida de especificidades e tenha provocado muitas dúvidas, as coisas começaram lentamente a acontecer nos bastidores.

Embora a declaração de 2009 faça uso de uma terminologia ímpar – “sigilo bancário” é somente uma das diferentes “formas de sigilo” – isso logo foi superado pelos eventos.

Em fevereiro de 2014, a OECD apresentou pela primeira vez uma nova norma mundial para troca de informações, o Common Reporting Standard (CRS,) um sistema de troca automática de informações amplo e bastante sólido em termos técnicos, ainda que com várias falhas importantes e relativa falta de acesso a países em desenvolvimento.

Os Estados Unidos, por sua vez, desenvolveram seu próprio programa, a Lei de Conformidade Tributária de Contas Estrangeiras (Foreign Account Tax Act, FATCA) em vez da CRS. Contudo, ainda que a FATCA seja tecnicamente sólida, este é um sistema de troca automática de informações unilateral, desenvolvido principalmente para obter informações sobre contribuintes dos EUA no exterior, com relativamente poucas informações trocadas na outra direção. Logo, os EUA continuam sendo um paraíso fiscal e solapam a cooperação global, conforme explicado em nosso relatório especial sobre os EUA.

Até novembro de 2019, 105 jurisdições haviam assinado o Acordo Multilateral de Autoridade Competente (Multilateral Competent Authority Agreement). Nem todos os signatários, no entanto trocam informações entre si.

Esses acordos vão abrandar, mas jamais eliminar o “sigilo bancário” (e as várias outras formas de sigilo). Por um aspecto, o CRS tem uma abrangência desigual: não somente os EUA são um participante recalcitrante de sistemas mundiais, mas muitos outros países, como a Suíça ou as Bahamas estão sendo difíceis em relação aos países com quem trocarão informações, colocando todo tipo de obstáculos.

Além disso, o CRS contém muitas brechas e falhas, e precisa ser respaldado por estatísticas públicas e por registros públicos de empresas de fachada, trusts e outras entidades e esquemas que são tradicionalmente usados para fins de sigilo. Há temores de que à medida que a pressão sobre o sigilo bancário aumente, as empresas de fachada e o sigilo na troca de informações, algumas dessas atividades mudem para a área excessivamente evasiva de trusts, onde foram adotadas poucas ações sérias.

Outra lacuna que precisa de ser resolvida é a garantia de acordos de troca automática de informação sobre criptoativos, dado o surgimento de moedas criptográficas, tais como bitcoins. O CRS permite que cada jurisdição decida se as empresas criptográficas serão cobertas ou não. Se as bitcoins e outros criptoativos não forem considerados dentro do âmbito do CRS, qualquer pessoa que tente contornar o CRS poderia facilmente manter e transferir bitcoins em vez de usar uma conta financeira em um banco comercial. Embora muitos tipos de ativos não sejam cobertos pelo CRS (por exemplo, imóveis, ouro e outros ativos duros), as bitcoins e outros criptoativos similares permitem muito mais mobilidade do que os ativos duros e, portanto, expõem-nos a riscos mais elevados de abuso em termos de fluxos ilícitos transfronteiriços.

As evidências mostram que a troca automática de informações está reduzindo o número de ativos mantidos no exterior. Em 2019, o FMI publicou o documento "Hidden Treasure: The Impact of Automatic Exchange of Information on Cross-Border Tax Evasion" (Tesouro Escondido: O Impacto da Troca Automática de Informações sobre Evasão Fiscal Transfronteiriça) que concluiu:

com base em dados de depósitos bilaterais para 39 países declarantes e mais de 200 jurisdições contrapartes, constatamos que a recente troca automática de informações reduziu os depósitos de propriedade estrangeira em jurisdições offshore em uma média de 25%. Este efeito é estatisticamente significativo e, como esperado, muito maior do que o efeito da troca de informações mediante solicitação, que não é significativo.

A Suíça como um exemplo

Por fim, a análise do caso da Suíça é reveladora. Sua legislação de sigilo bancário, originalmente implementada em 1934, continua firmemente em vigor e, de fato, a Suíça recentemente processou informantes, usando o que parecem ser meios extrajudiciais, empunhando a lei como se fosse uma espada. Conforme explica nosso relatório especial sobre a Suíça, a Suíça é participante do CRS e aumentará significativamente sua transparência, mas tem criado todo tipo de exceção e, como sempre, os países em desenvolvimento mais vulneráveis estão sendo deixados de fora.

Em resumo, o “sigilo bancário” e outras formas de sigilo estão muito bem vivos.

Leia mais sobre o progresso geral na esteira do Panama e Paradise Papers aqui.